Hoje vamos falar um pouquinho sobre um dos livros que mais me marcaram em 2024: Crônica da Casa Assassinada. E senhores, esse não é somente um livro comum: é uma experiência.
Mas antes de falar sobre o livro propriamente, vale destacar que Lúcio Cardoso foi um escritor mineiro que transitou entre diferentes gêneros – romance, poesia e teatro – e se notabilizou por explorar temas como decadência familiar, religiosidade, culpa e paixão em seus textos. Na década de 1950, a literatura brasileira vivia um período de intensas transformações, com a consolidação do modernismo e o surgimento de obras que experimentavam novas estruturas narrativas. Crônica da Casa Assassinada insere-se nesse contexto, mas, ao mesmo tempo, se destaca pela peculiaridade de sua forma epistolar, pela introspecção psicológica dos personagens e pela atmosfera sombria que permeia a narrativa.
Sumário
A família Meneses: um retrato do interior mineiro
A história se passa no sul de Minas Gerais, onde vive a família Meneses – composta por três irmãos e pela esposa de um deles. A rotina aparentemente estável e monótona da família começa a se abalar quando o irmão do meio decide se casar com Nina, uma jovem carioca cheia de vida – e muito diferente de todos eles.
- Os Meneses: representam uma antiga família brasileira, marcada por tradições e segredos.
- O Sul de Minas: o cenário, com suas fazendas e costumes arraigados, aprofunda o sentimento de isolamento que permeia o enredo.
- Nina: a forasteira que traz nova perspectiva àquele ambiente hostil, ao mesmo tempo em que se vê enredada pelos conflitos e pelas intrigas da casa.

A estrutura epistolar e a multiplicidade de vozes
Um dos pontos altos do livro é a forma com a qual a narrativa é contada; de forma epistolar, através de:
- Cartas,
- Entradas de diários,
- Depoimentos e outras formas de texto em primeira pessoa
para compor um mosaico de pontos de vista que se sobrepõem e se contrapõem continuamente. Essa escolha dá dinamismo ao romance, pois cada personagem oferece sua própria versão dos eventos, revelando sentimentos, segredos e, muitas vezes, contradições.
O silêncio de Nina
Curiosamente, Nina jamais tem voz direta na narrativa, apesar de ser o fio condutor da história. Isso torna a leitura intrigante, pois o leitor precisa montar o quebra-cabeça a partir das impressões (muitas vezes parciais e distorcidas) dos outros personagens acerca de Nina (que é o centro das tensões na casa). Inevitavelmente, o leitor (no caso, eu) acaba construindo a imagem de Nina enviesada de acordo com os diversos pontos de vista – mas como todos os pontos de vista são escritos na primeira pessoa, será que podemos confiar neles?
Temas abordados e impacto emocional
Além do estilo epistolar, a profundidade dos temas tratados é outro ponto chave para entender a grandeza literária dessa obra:
- Decadência familiar: o declínio da família Meneses reflete um processo de arruinamento que vai além de questões econômicas.
- Paixão e traição: a tensão amorosa permeia a narrativa.
- Culpa e religiosidade: a figura de Deus e a ideia de pecado surgem como fantasmas que assombram a consciência dos personagens
- Ambiente hostil: a casa dos Meneses é descrita como um espaço insalubre, quase doentio, que parece contaminar todos ao redor.
Minha experiência de leitura
Devorei Crônica da Casa Assassinada em poucos dias, pois a alternância constante de narradores me envolveu de tal forma que eu não conseguia interromper a leitura. A narrativa, além de não ser linear, alterna episódios: em um capítulo, acompanhamos a descrição de um acontecimento pelo ponto de vista de um personagem, e, no capítulo seguinte, outra voz nos conduz a um evento completamente diferente. É apenas no final que todas essas peças se encaixam, oferecendo um panorama da atmosfera decadente que domina a casa dos Meneses.
Outro aspecto marcante foi o romance que permeia a história – com certeza um dos mais perturbadores que já li, narrado de maneira monumental.
Ponto positivo para a intensidade das relações e a profundidade psicológica de cada personagem – assim como a construção deles e do cenário – eu literalmente me senti dentro da história.
Por que ler Crônica da Casa Assassinada?
- Importância histórica e literária: o livro é considerado um dos marcos do romance psicológico brasileiro.
- Narrativa multifacetada: a estrutura em múltiplas vozes é um convite à interpretação ativa.
- Exploração de temas universais: culpa, paixão, traição, religiosidade e a decadência familiar… Temas sempre atuais.
- Estilo poético e sombrio: a escrita de Lúcio Cardoso combina beleza e tragédia, e como eu amo uma desgraceira, não é de se estranhar que esse livro marcou meu coração.
Conclusão
Só leiam.